Como tudo começou

Acho que todos já perceberam o quanto Alex tem o dom de abalar minhas estruturas. Mesmo que isso desmorone algumas paredes ou pilares das minhas fundações íntimas, o tempo que eu levava para reformar a mim mesma era sempre um tempo de prazer. Fernão estava sempre ali, me ajudando nesse processo de reconstrução. Como na primeira vez.

Como já disse, eu fui caçada logo no início da Inquisição. Fugi durante semanas, embrenhando-me pelas florestas até que uma noite encontrei um acampamento. Parecia de viajantes, mas havia certo requinte no modo como aquelas pessoas se portavam.

Deram-me abrigo sem questionamentos e eu deveria ter suspeitado de que pessoas “normais” jamais abrigariam uma andarilha ainda mais em tempos de caças as bruxas. No entanto, meu cansaço me impediu de raciocinar.

Fui conduzida a uma tenda, onde pude me lavar e ganhei algumas vestes limpas de uma das mulheres, que mais tarde eu me acostumei a chamar de Gween. Ela se ofereceu para dar um jeito em meus cabelos e em poucos segundos seus dedos ágeis desfaziam os nós nos meus cabelos e os trançavam num penteado simples.

Quando voltei para perto da fogueira, havia vinho e comida, mas poucos ali dispunham dos alimentos. A maioria preferia apenas beber e dançar. Eu me contive para mostrar o mínimo de classe ao ser servida com um grande pedaço de carne, pão e frutas secas. Comi, bebi e aos poucos me permiti conversar, sabendo que eles também fugiam.

Alguma coisa no ar ao redor daquelas pessoas me inspirava confiança e eu revelei minha condição pagã e aprendiz de sacerdotisa da Grande Mãe. E os olhos faiscantes de todos se voltaram na minha direção.

Eu passaria quase a noite toda explicando as minhas tradições, falando sobre os cultos e rituais de adoração à Deusa, se ele não tivesse aparecido. Gween sentada ao meu lado, apoiada nos joelhos de um homem moreno, quase pardo, silenciou as perguntas quando viu a tenda principal ser aberta e a figura masculina, recortada pela luz da fogueira e dos archotes aparecer.

A lua estava convenientemente cheia aquela noite. E quando meus olhos se cruzaram com os dele, eu senti o inconfundível arrepio na espinha que me informava, desde pequena, quando os ventos da mudança começavam a me rondar.

 

Continua…

~ por reallfangs em dezembro 15, 2009.

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